Metades – Parte três.

Acordei meio atordoado, busco meu celular em algum lugar, tateando pela pequena escrivaninha; são exatamente 02h27min da manhã de 23 de junho de 2020, acendo um velho abajur que descansa sob a escrivaninha; de novo a insônia. Acho que devo ter dormido uns 30 minutos desde que deitei. Fico por alguns minutos olhando para o teto.

Pego meu bloco de notas, tento criar algo, um poema, um texto, sei lá, nem sempre tem algo a ser escrito, às vezes é só solidão mesmo. O fato de ser produtivo nessa hora me faz pensar que talvez a insônia não seja tão ruim; a gente já até se entende um pouco, eu não durmo, leio algo, escrevo alguma coisa e aceito-a com prazer. Isso é só pra atenuar o quão ruim a insônia é, já que meu corpo não descansa.

É a segunda vez que tento terminar um texto para o site, já faz um tempo razoável que eu não escrevo algo. Sabe quando as palavras não funcionam mais, quando tudo que você tem para falar não tem qualquer relevância para o seu interlocutor? O que não quer dizer que isso está relacionado diretamente com você, talvez seja apenas um fato antigo que machucou, e machuca; mesmo sem querer.

02:0h da manhã de 03 de julho de 2020, eu não dormir nem um pouco ainda, tem umas duas noites que eu fico sempre assim. Pego meus fones de ouvido, começa a tocar uma canção de uma banda chamada Manchester Orchestra, é “After the Escripture”; começa com um acorde de guitarra bem sórdido e um vocal meio padecido.

Eu me acostumei a ficar só, ainda mais durante a noite, mas acho estranho não conversar com alguém durante o dia. Um ou dois dias da semana eu saio por aí, procurando algo parecido com a felicidade, vou sem ela e volto da mesma forma. Talvez eu seja um pouco egoísta e não queira ficar só, como diria Pascal.

A solidão faz com que olhemos para dentro de nós, o que, aparentemente, não é legal; olhar para dentro de mim me faz imaginar que tudo que acredito ser não passa de mera suposição.

Uma outra história……..

06 de julho de 2020, barulho da água, pés na areia. A canção que toca é o vento entre as palhas…não existe contradição na natureza; tudo segue exatamente como tem que ser, diferente do eu lírico. O ruim de encher a cara e esperar que as coisas fiquem melhores no dia seguinte, é que elas nunca ficam; aliás, elas até pioram.

Meus pés carregam o fardo pesado da minha existência, o que pode parecer bom, já que tem alguém para carregar. Em suma, é um fardo tentar entender o que não tem como entender.

Amanhã o sol nascerá, o vento baterá na minha porta, ela estará fechada, o ar circulará pelo quarto, e, simplesmente, não haverá ninguém, eu não estarei lá, e você também não. Você não pode ficar preso para sempre dentro de si.

Um dia desses, em uma bela manhã, eu voava por aí. O raio de sol refletia entre as minhas asas, sob as árvores eu cantarolava, como se fosse meu último canto, como se eu fosse o único nesse imenso céu.

Parecia ser livre, mas eu não podia andar, não podia pôr meus pés no chão molhado, não era da minha natureza, na verdade, não era eu, eu só podia voar. Mas um dia eu caí, e fui dividido em mil pedaços pela milésima vez, e isso não é agradável, já que eu não sei mais como me consertar. Não tem como pegar as partes e juntar, isso é horrível, sabe; não ter como juntar a si mesmo.

Eu fiz o que deveria fazer, eu fui preso, e eu me despedacei, e eu já não cantava como antes.

Eu, por vezes, tentei escapar pra longe das palavras que me fazem está aqui agora digitando isso.  Por vezes, eu me imaginei sentado em um balanço, de um lado para o outro, imaginando que as coisas voltavam ao normal; mas o normal, às vezes, não é o que precisamos.

Eu sempre tento dar um tom poético à minha escrita, a esta altura devo está fracassando com minha missão. Existe uma ordem de coisas acontecendo, algo que Shakespeare chamaria de MacBeth, ou Sonho de Uma Noite de Verão; algo que representasse uma tragédia.

02 de agosto de 2020, 1h26m da manhã. Tem alguns minutos que estou aqui tentando terminar esse texto. Me vejo enchendo um copo dum whisky qualquer que encontrei aqui; acho que o álcool aflora uma certa solidão em mim.

Uma história incompleta.

 Dia 15 de julho de 2018, surpreendo-me com uma mensagem de voz que dizia:

-Ei, está tocando aquela música, “The Universe”, do Gregory Alan Isakov, é exatamente aquela que você levantava e me chamava para dançar; sabe, pode ter sido só isso mesmo; só uma dança, talvez os acordes daquela canção sejam os momentos que passamos juntos, cada acorde feito com muita dedicação e da forma mais sutil que algo já fora feito.

         -Tudo bem, mas isso soa como uma despedida, eu disse.

– Não, Paulo, não é uma despedida, é só o fim da nossa canção. Quem sabe a gente não se encontra, a gente dança outra canção, e como uma sinfonia, a gente a faz com que dure muito mais.  Enfim, era isso.

                  -Tudo bem, eu disse.  E foi só isso.

Eu fico triste quando não consigo escrever algo, eu não consigo escrever algo se não estiver triste. Há uma linha tênue entre a escrita e a tristeza. Não sei se todos os poetas escrevem cheios de tristeza, ou embriagados com qualquer whisky e uma porção de sentimentos, como estou agora.

Continuaa……

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